Notas sobre governança no setor público

Notas sobre governança no setor público

Robson Aurelio Neri, MSc.

As funções públicas do Estado são consagradamente a executiva (ou administrativa), a legislativa e a judiciária (ou jurisdicional) e não existe uma relação biunívoca entre essas três funções e os três poderes constitucionais, visto que cada poder tem suas funções típicas e as atípicas, como resumidamente é mostrado a seguir:

 

Poder             Executivo           Judiciário           Legislativo

 

Funções típicas ·         Administrativa ·         Jurisdicional ·         Legislativa

·         Fiscalização do Executivo

·         Investigação e inquérito parlamentar

 

Funções atípicas ·         Legislativa (medidas                                      provisórias)

·         Jurisdicional

·         Administrativa

·         Legislativa (interna)

·         Administrativa

·         Jurisdicional (julga o Presidente da                                                                    República)

 

Adotamos a definição de governança pública como sendo a “garantia  do interesse público nas ações de Estado” (NERI, 2021),

Avaliar o desempenho da governança pública de um Poder inclui medir, além de diversos outros parâmetros, a eficácia e efetividade das entregas realizadas por cada uma de suas funções, e avaliar o alinhamento com o interesse público.

As entregas da função administrativa (típica) do Poder Executivo são, em tese, facilmente mensuráveis, uma vez que se pode medir o desempenho e impacto de políticas públicas e dos serviços públicos.

De forma análoga, as entregas produzidas pela função administrativa (atípica) dos poderes Judiciário e Legislativo também podem ser medidas uma vez que fornecem produtos e serviços tradicionais de apoio às atividades legislativas e judiciárias.

Por outro lado, não conhecemos indicadores objetivos amplamente aceitos para apontar se o desempenho legislativo ou judiciário atende ou não ao interesse público. Há métricas quantitativas sobre a produção do legislativo ou do judiciário, mas que não traduzem necessariamente a qualidade e o impacto social dessa produção. É possível até medir o nível geral de satisfação da sociedade com relação ao desempenho dessas funções, mas não haveria mecanismos de responsabilização, exceto nos casos de conduta não ética ou a escolha de votos nas eleições seguintes.

Em outras palavras, é razoável dizer que atualmente é possível instituir um sistema de governança pública para o Poder Executivo e, pelo menos em tese, é possível definir indicadores para avaliar esse sistema.

Já no Legislativo por exemplo, um sistema de governança pública, embora permita tratar dos aspectos como conduta ética parlamentar, transparência, participação social, ouvidoria, conformidade ao processo legislativo, entre outros, seria uma construção incompleta, pelo menos até que surjam meios para se avaliar objetivamente a eficácia, efetividade e os impactos na sociedade da produção legislativa. Desconhecemos, também, mecanismos estruturados para controle do processo legislativo, sejam controle externos ou internos. Mecanismos não estruturados incluem as ações de controle social como a imprensa, grupos de interesse e manifestações populares.

Entretanto, pode-se falar em um sistema de governança para a função administrativa do Poder Legislativo, uma vez que tal função é estruturada com base em fundamentos de gestão similares à da iniciativa privada e que adotam modelos reconhecidos de governança corporativa.

Uma questão que surge é: como denominar a governança da função administrativa do poder legislativo? Tentamos responder a essa pergunta quando estávamos desenhando o sistema de governança do Senado Federal. Não conseguimos, entretanto, localizar nenhuma referência na literatura (com essa nossa abordagem). Consultamos colegas à época, estudiosos do TCU e da Câmara dos Deputados, bem como de organizações privadas de governança, mas ninguém indicou uma referência clara. Sabíamos que não poderíamos utilizar “governança pública” pois não englobava a atividade parlamentar. Tampouco poderíamos utilizar a denominação “governança legislativa”, exatamente pelo mesmo motivo (a Câmara dos Deputados eventualmente utiliza a expressão “Governança Legislativa” como a organização da atividade legislativa em colegiados na formação da Mesa Diretora, das Comissões e demais colegiados como o Conselho de Ética). As demais opções que consideramos foram governança corporativa, governança institucional, governança organizacional e governança administrativa. Eventualmente qualquer uma delas, com variados graus de argumentos contra e a favor, poderia ser utilizada.

Em 2009, quando desenhávamos uma estrutura de governança no Prodasen (“departamento” de informática do Senado), utilizamos a expressão “governança organizacional:

Quando começamos a atuar em toda a administração do Senado, reunimos a cúpula administrativa da Casa em uma comissão especial para propor a estratégia de aperfeiçoamento do processo de governança organizacional e gestão estratégica do Senado Federal (BRASIL a, 2009) (em outro artigo, explicamos porque decidimos integrar governança a gestão estratégica). Na execução dessa estratégia, decidimos, por fim, adotar a expressão “governança corporativa” por já ser uma expressão consolidada, pelo fato de a estrutura e operação da função administrativa poder ser tecnicamente qualificada como uma corporação (não é exclusividade do setor privado), e para evitar criar mais uma expressão no já congestionado glossário do tema.

Criamos, então, o Sistema de Governança Corporativa e Gestão Estratégica do Senado Federal (BRASIL b, 2011),

Dessa forma, concluímos que a fração viável da governança pública no legislativo é a governança corporativa para garantir o interesse público no exercício da função administrativa da casa parlamentar, que dá suporte logístico à sua função legislativa.

Por analogia, poderíamos concluir que a fração viável da governança pública no judiciário é a governança corporativa para garantir o interesse público no exercício da função administrativa da instituição, que dá suporte logístico à sua função judiciária.

Entendemos, dessa forma, que não existe governança legislativa, nem governança judiciária, nem governança executiva. Existe governança pública que, na prática pode ser implementada integralmente no Poder Executivo, e, por enquanto, parcialmente (governança corporativa) nos outros dois poderes, abarcando suas respectivas funções administrativas.

A figura seguinte mostra o modelo dos triângulos invertidos que representa a estrutura do sistema de governança corporativa do IBCG (IBCG, 2015)

Esse modelo é utilizado como referência para adaptações no setor público, como no caso do TCU (BRASIL c, 2020) mostrado a seguir.

Nesse modelo do IBCG, e na sua versão derivada do TCU, o triângulo superior representa a instância da governança e o triângulo inferior, a instância da gestão. A gestão é quem produz o que a instituição, pública ou privada, entrega a seus clientes ou usuários (cidadãos e sociedade no setor público). No caso do Poder Executivo, a máquina administrativa é quem produz e entrega os produtos finais (políticas públicas e serviços públicos) e o modelo dos triângulos invertidos aplica-se adequadamente. Nos outros dois poderes, entretanto, essa lógica não se aplica, uma vez que quem está produzindo os produtos finalísticos são os parlamentares e os ministros, os membros dos poderes, e não a máquina administrativa. O processo produtivo central são o processo legislativo e o processo judiciário, respectivamente, e não os processos administrativos.

A representação da estrutura do sistema de governança pública do Legislativo, por exemplo, teria no triângulo inferior, com ênfase e como instância produtiva, todas as formas de atuação da atividade parlamentar como as Comissões, Plenário, a Mesa e os próprios parlamentares. O processo de “gestão” não é o de gestão pública técnica, tradicional, mas de articulação política na definição da direção e ritmo da produção legislativa. A representação das atividades da função administrativa seria, no máximo, acessória, de suporte, como mínimo destaque. Inusitadamente, o Plenário constaria também do triângulo superior, uma vez que é a instância máxima deliberativa da Casa. A Comissão de ética e decoro parlamentar e a Ouvidoria também se instalariam na instância da governança pública. Por outro lado, não identificamos mecanismos estruturados de controle interno ou externo, como instrumentos de governança pública no legislativo, como explicado anteriormente.

Entretanto, o modelo do IBCG aplica-se à representação da estrutura do sistema de governança corporativa do Legislativo, onde as atividades da função administrativa da Casa são dispostas no triângulo inferior – a instância de gestão. Não faz sentido, porém, incluir na instância de governança a Comissão de ética e decoro parlamentar e as demais Comissões (exceto a Comissão Diretora), uma vez que não integram a função administrativa, mas a função legislativa.

Raciocínio análogo aplica-se à representação da estrutura do sistema de governança pública e governança corporativa no poder judiciário.

 

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Robson A Neri, é engenheiro do ITA com mestrado em Stanford. Mestrando em Gestão Púbica pela UFU – Universidade Federal de Uberlândia. Desenhou e implementou o sistema de governança corporativa e gestão estratégica do Senado Federal. Fundador e Diretor Executivo do Instituto Pactos de Desenvolvimento Regional Sustentável.

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REFERÊNCIAS:

BRASIL a, Senado Federal. Ato do Primeiro Secretário Nº 24, de 7 de maio de 2009. Institui Comissão Especial para elaborar proposta de estratégia e ações para aperfeiçoamento do processo de governança organizacional e gestão estratégica do Senado Federal. Disponível em: < https://adm.senado.leg.br/normas/ui/pub/normaConsultada?1&idNorma=261068 >. Acesso em: 14 jun. 2021.

BRASIL b, Senado Federal. Ato do Primeiro Secretário Nº 16, de 22 de dezembro de 2011. Institui o Sistema de Governança Corporativa e Gestão Estratégica do Senado Federal. Disponível em: < https://adm.senado.leg.br/normas/ui/pub/normaConsultada;jsessionid=529742207650261CC79D0E5E7C2AF9E5.tomcat-1?0&idNorma=226804 >. Acesso em: 14 jun. 2021.

BRASIL c. Tribunal de Contas da União. Referencial básico de governança aplicável a organizações públicas e outros entes jurisdicionados ao TCU / Tribunal de Contas da União. Edição 3 – Brasília: TCU, Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado – SecexAdministração, 2020. 242p.

Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das melhores práticas de governança corporativa. 5.ed. / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. – São Paulo, SP: IBGC, 2015. 108p.

NERI, Robson Aurelio. Afinal, o que é Governança Pública? Instituto Pactos de Desenvolvimento Regional Sustentável,  2021. Disponível em: <https://pactos.org.br/artigos/ > . Acesso em: 21 set. 2021.

Afinal, o que é Governança Pública?

Afinal, o que é governança pública?

Robson Aurelio Neri, MSc.

Muitos gestores públicos brasileiros, nos diversos níveis hierárquicos, sejam servidores ou mandatários de cargos eletivos, carecem de mais conhecimento sobre gestão para o exercício de seus cargos e funções, que são desempenhados, nesses casos, essencialmente com base em experiência de vida e talentos pessoais. No caso de “governança”, tais gestores chegam a citar o termo aqui e acolá. Mais recentemente, até exaltam a governança, mas quando perguntados o que é “isso”, têm dificuldade para articular uma explicação razoável.

Surpreendentemente, mesmo em ambientes mais especializados, envolvendo estudiosos ou profissionais já iniciados em administração pública, observa-se desconforto e ineficácia ao tentarem explicar o que é governança, particularmente a governança pública.

Essas conclusões não decorrem de uma pesquisa científica, mas de observação ao longo mais de 25 anos de vivência em gestão, mais de 12 envolvendo governança na administração pública.

A realização de estudo nesse sentido, para verificar tal hipótese, está sendo avaliada pelo Instituto Pactos em parceria com a FAGEN – Faculdade de Gestão e Negócios da UFU – Universidade Federal de Uberlândia.

Entendemos que tal desconhecimento decorre de vários fatores. Primeiro, o termo governança, como tantos outros em economia e administração, é definido de diversas formas dependendo do referencial teórico que se escolha. Existe muita confusão na literatura (Dias e Cario, 2014). Governança pública, governança corporativa, governança organizacional, governança de TI, entre outras “governanças específicas”, da mesma forma, apresentam essa pluralidade conceitual. Tal diversidade causa confusão na compreensão do conceito. Segundo, as definições são complexas ou longas demais para os gestores “práticos”, os que realmente exercem a função gerencial. São acessíveis apenas a quem está no ambiente acadêmico ou a quem exerce atividades em organizações maduras em termos de governança (como as empresas listadas em bolsa de valores). Terceiro, as definições disponíveis enfocam processos e mecanismos e não enfatizam adequadamente, no nosso entender, a essência por trás do conceito.

Naturalmente não existe nenhum demérito no fato de os gestores, em geral, não entenderem o conceito de governança. Juntando-se ao academicismo do caso, temos a realidade educacional brasileira. O Brasil não é Brasília. A imensa maioria de agentes públicos (prefeitos, vereadores, secretários ou mesmo funcionários) estão em municípios pequenos e normalmente ascendem ao poder independentemente de seu nível de escolaridade e formação gerencial. Questões chave, da mais alta relevância como governança pública, devem ser tratadas, difundidas e implementadas com a maior simplicidade possível (não se confundindo, obviamente com abordagem simplista).

Não detalharemos aqui, portanto, teorias normalmente endereçadas quando se estuda governança, como a teoria da agência, da firma, da escolha pública ou dos contratos, mas entendemos que o cerne da governança está em garantir que os interesses de alguém sejam respeitados quando um representante age em seu nome (problema de agência, da teoria da agência). Portanto, a definição de governança deve dizer isso de forma simples e direta, para que todos entendam e possam replicar.

Vejamos algumas definições disponíveis na literatura (o dicionário também não ajuda muito). Imediatamente a seguir apresentamos a nossa definição:

Governança

Michaelis: ato ou processo de governar, governo, governação.

Governar

Michaelis:

  1. Exercer o governo de, ter autoridade sobre: Governar um povo.
  2. Conduzir, regular o andamento de: Governar uma carruagem.
  3. Ter mando ou direção: A ele é que cabe governar.
  4. Administrar, dirigir: Governar uma empresa.
  5. Dirigir as ações de; dominar: Não raro a mulher governa o marido.
  6. Andar direito, não errar, ter juízo: Cabeça repleta de álcool já não governa.
  7. Dirigir o seu procedimento, regular-se.
  8. Obedecer à ação do leme: Este barco já não governa.
  9. Governar a vida: agenciar meios de subsistência pelo trabalho. Governar bem o seu barco: dirigir ou gerir com acerto os seus bens e os seus negócios.

Houaiss: Ter mando, direção, dirigir, administrar, controlar, influenciar fortemente as ações e o comportamento de algo ou alguém.

 

Governança Corporativa

  1. sistema e a estrutura de poder que regem os mecanismos através dos quais as companhias são dirigidas e controladas” (Cadbury Committee, 1992);
  2. o conjunto de mecanismos pelos quais os fornecedores de recursos garantem que obterão para si o retorno sobre o seu investimento; (Shleifer e Vishny 1997)
  3. os mecanismos ou princípios que governam o processo decisório dentro de uma empresa, visando minimizar os problemas de agência; (Carvalho 2002, 2007)
  4. um conjunto de relacionamentos entre a gestão da companhia, seu conselho de administração, acionistas, e outras partes interessadas. Fornece a estrutura pela qual os objetivos da companhia são estabelecidos, e os meios para atingi-los e o monitoramento da performance são determinados (tradução livre) (OECD 2004).
  5. (governança empresarial) capacidade de controlar o comportamento dos agentes de uma organização, fazendo com que os recursos dessa organização sejam mobilizados e aplicados de forma eficaz e eficiente e sob níveis de risco adequados para o cumprimento da missão e dos objetivos requeridos pelos acionistas e outros participantes relevantes; (Santos 2004)
  6. conjunto de valores, princípios, propósitos e regras que rege o sistema de poder e os mecanismos de gestão das corporações, buscando a maximização da riqueza dos acionistas e o atendimento dos direitos de outras partes interessadas, minimizando oportunismos conflitantes com este fim; (Andrade e Rossetti 2004)
  7. sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC 2015)

Nossa definição:

Governança corporativa – Garantia dos interesses dos sócios na atuação de sua organização.

Governança de TI (tecnologia da informação):

  • Processos que asseguram o uso efetivo e eficiente da TI viabilizando uma organização a atingir seus objetivos (tradução livre). (Gartner Group)
  • Elemento da governança corporativa, com o objetivo de aperfeiçoar a gestão geral da TI e entregar melhores valores do investimento em informação e tecnologia (tradução livre) (IT Governance)
  • ferramental para a especificação dos direitos de decisão e responsabilidade, visando encorajar comportamentos desejáveis no uso da TI. Weill e Ross (2004)

Nossa definição:

Governança de TIgarantia de que a TI atenda adequadamente aos interesses da organização.

 

Governança pública:

  1. É o governo visando objetivos coletivos de uma sociedade, com o enfoque na coordenação autônoma, interdependente e responsável de diferentes instituições, redes e atores sociais, utilizando estruturas, mecanismos e regulações justas, coerentes, consistentes e aceitas pela sociedade. (STREIT; KLERING, 2005)
  2. É a maneira pela qual os valores subjacentes de uma nação, articulados em uma constituição, são institucionalizados. (OCDE, 2000)
  3. refere-se aos arranjos formais e informais que determinam como as decisões públicas são feitas e como as ações públicas são implementadas, pela perspectiva da manutenção dos valores constitucionais de cada país quando em face de problemas e ambientes em mudança. (OCDE 2018)
  4. sistema que compreende os mecanismos institucionais para o desenvolvimento de políticas públicas que garantam que os resultados desejados pelos Cidadãos, e demais entes da vida pública, sejam definidos e alcançados. (IBGP, 2014)
  5. conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade (Decreto federal 9.203/2017, PL 9163/2017 CD e PL 5898/2019 SF);
  6. (governança organizacional) mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão, com vistas à condução do TCU em relação às suas atividades político-institucionais e serviços de interesse da sociedade (RESOLUÇÃO-TCU Nº 320, DE 12 DE AGOSTO DE 2020)
  7. (governança pública organizacional) – aplicação de práticas de liderança, de estratégia e de controle, que permitem aos mandatários de uma organização pública e às partes nela interessadas avaliar sua situação e demandas, direcionar a sua atuação e monitorar o seu funcionamento, de modo a aumentar as chances de entrega de bons resultados aos cidadãos, em termos de serviços e de políticas públicas (Brasil. Tribunal de Contas da União. Referencial básico de governança aplicável a organizações públicas e outros entes jurisdicionados ao TCU / Tribunal de Contas da União. Edição 3 – Brasília: TCU, Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado – SecexAdministração, 2020).
  8. (governança no setor público) – mecanismos de liderança, estratégia e accountability postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade (TRT 18ª – RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA Nº 83/2018)
  9. capacidade de os sistemas políticos e administrativos agirem efetiva e decisivamente para resolver problemas públicos (PETERS, 2012). (CNM)
  10. TEIXEIRA e GOMES (2019) apresentam pelo menos 36 definições de governança pública em sua revisão da literatura sobre o conceito.

Nossa definição:

Governança pública garantia do interesse público nas ações de Estado.

As definições que apresentamos são muito mais fáceis de serem entendidas por todos e traduzem a essência conceitual. Uma definição bem compreendida é muito mais fácil de ser difundida e implementada na prática.

Por outro lado, algumas definições acima referenciadas, em particular a do Decreto Federal e dos projetos de Lei na Câmara dos Deputados e Senado Federal, falam apenas em prestação de serviços de interesse da sociedade, mas não falam em gestão que atenda aos interesses da sociedade (excluindo, portanto, questões como eficiência, ética e integridade, por exemplo).

Governança pública zela pelo interesse público e Gestão executa políticas públicas. Quem produz é a gestão. Quem controla e direciona a gestão é a governança. Governança é, portanto, atribuição do mais alto nível da cadeia hierárquica da organização, com a missão de preservar o interesse público na atuação da gestão.

Interesse público tem definições jurídicas, mas tem também entendimento comum pela sociedade. São como os requisitos de qualidade. Alguns são explícitos, outros não. Quando se escolhe um hotel para uma viagem não se pergunta na recepção se os banheiros e a roupa de cama estão limpos. Isso já é esperado (embora algumas vezes não ocorra na prática). O interesse público não está apenas nos resultados (políticas públicas e serviços públicos adequados), mas também no processo de obtê-los. Espera-se que as organizações públicas e seus agentes (gestores, servidores, contratados) ajam em acordo com as normas vigentes (legalidade, conformidade, compliance), que não gastem mais do que o necessário (eficiência), que façam o que precisa ser feito para a melhoria do bem-estar da sociedade (eficácia, efetividade, geração de valor), preservem o meio ambiente e a comunidade local (sustentabilidade, responsabilidade socioambiental), que não sejam surpreendidos por tragédias evitáveis (gestão de riscos), que não se apropriem do bem público (moralidade, ética, integridade), que informem claramente como estão trabalhando (publicidade, transparência, prestação de contas) e que sejam penalizados por não agirem assim (responsabilização, accountability). Deve haver mecanismos para se verificar se o interesse público está sendo resguardado (auditoria externa, auditoria interna, controle social).  Muito do interesse público está endereçado nos princípios constitucionais da administração pública (BRASIL, 1988)

Todas essas características integram e compõem o conceito de governança. Não faz sentido, portanto, no nosso entendimento, falar de “programa de governança e riscos” pois riscos são aspectos inerentes de governança. Da mesma forma, “comitê de governança e compliance” uma vez que o primeiro engloba o segundo (sem contar que a palavra compliance é muito pouco conhecida pelos brasileiros, não ajudando a difundir a governança em toda a administração pública brasileira)

Os casos de desastres ambientais evitáveis ou mitigáveis são também questões de grande interesse da sociedade e, portanto, questões de governança pública.  Um Estado que não faça a adequada gestão dos riscos ambientais, principalmente envolvendo grandes empresas, não está garantindo os interesses da sociedade. Isso é falta de governança e isso tem que ser abrangido no conceito de governança.

Outra expressão comum, mas explicada de inúmeras maneiras é “boa governança”. Agora fica bem mais simples. Boa governança é uma boa garantia de que o interesse público está resguardado.

A implementação da governança já é outra questão. Seguirá uma lógica baseada em valores, princípios, políticas, mecanismos, atores, normas, códigos, processos, relacionamentos, estratégia, planejamento, coordenação, direcionamento, monitoramento e avaliação. Esses elementos, entre outros, compõem um sistema. Aqui, novamente, a escolha e configuração de cada um desses elementos depende do referencial teórico (ou mesmo ideológico) que se adote. De qualquer forma, embora a institucionalização de apenas um ou dois desses elementos já seja um importante passo na implementação de governança pública, a abordagem sistêmica apresenta chance muito maior de sucesso pois mostra o todo. Ver o todo ao mesmo tempo não significa implementar o todo simultaneamente. A visão sistêmica facilita planejar a execução que deve ser progressiva.

No próximo artigo explicaremos por que, em organizações com maturidade gerencial ainda não muito avançada, a governança deve ser implementada e executada de forma integrada à gestão estratégica, ou seja, uma organização pública deve dispor de um “sistema de governança e gestão estratégica”, um bloco integrado.

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Robson A Neri, é engenheiro do ITA com mestrado em Stanford. Mestrando em Gestão Púbica pela UFU – Universidade Federal de Uberlândia. Desenhou e implementou o sistema de governança corporativa e gestão estratégica do Senado Federal. Fundador e Diretor Executivo do Instituto Pactos de Desenvolvimento Regional Sustentável.

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REFERÊNCIAS:

ANDRADE, Adriana; ROSSETTI, José Paschoal. Governança Corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. São Paulo: Atlas, 2014.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.          Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>  Acesso em: 12 nov. 2020 .

______.  Decreto nº 9.203, de 22 de novembro de 2017. Dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, Brasília, DF, 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9203.htm>. Acesso em: 22 mai. 2021.

______.  Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 9163, de 23 de novembro de 2017. Dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2163153> Acesso em: 11 set. 2019.

______.  Senado Federal. Projeto de Lei nº 5898, de 5 de novembro de 2019. Dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Disponível em: <https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-5898-2019 > Acesso em: 11 set. 2019.

______. Senado Federal. Ato do Primeiro Secretário Nº 16, de 22 de dezembro de 2011. Institui o Sistema de Governança Corporativa e Gestão Estratégica do Senado Federal. Disponível em: <https://adm.senado.leg.br/normas/ui/pub/normaConsultada;jsessionid=529742207650261CC79D0E5E7C2AF9E5.tomcat-1?0&idNorma=226804>. Acesso em: 14 jun. 2021.

______. Tribunal de Contas da União. Resolução-TCU Nº 320, de 12 de agosto de 2020: Dispõe sobre a política de governança organizacional do Tribunal de Contas da União. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/data/files/67/72/82/D7/AB1147109EB62737F18818A8/BTCU_20_de_21_08_2020_Especial%20-%20%20Pol%C3%ADtica%20de%20governan%C3%A7a%20organizacional%20do%20TCU.pdf >. Acesso em: 1 jul. 2021.

CAMBRIDGE. University of Cambridge. The Cadbury Report. Report of the Committee on the Financial Aspects of Corporate Governance, 1992. Disponível em: <https://ecgi.global/sites/default/files//codes/documents/cadbury.pdf> . Acesso em: 11 set. 2019.

CARVALHO, Antonio Gledson de. Governança corporativa no Brasil em perspectiva. Revista de Administração, São Paulo, v. 37, n. 3, p. 19-32, jul./set. 2002.

CARVALHO, A.G. de. 2007. Governança corporativa no Brasil em perspectiva. In: R.P.C. LEAL; A.L.C. SILVA (org.), Governança Corporativa: evidências empíricas no Brasil. Coleção Coppead de Administração. São Paulo, Atlas.

Código das melhores práticas de governança corporativa. 5.ed. / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. – São Paulo, SP: IBGC, 2015.

DIAS, T.; CARIO, S. A. F. Governança Pública: ensaiando uma concepção. Contabilidade, Gestão e Governança, v. 17, n. 3, p. 89-108, 2014. Disponível em < https://scholar.archive.org/work/2vebhd6sfncuffu33xyxgiyz7q/access/wayback/https://www.revistacgg.org/contabil/article/download/621/pdf > Acesso em 25 set. 2021.

Gartner Group – Gartner Glossary – Disponível em < https://www.gartner.com/en/information-technology/glossary/it-governance>. Acesso em: 24 set. 2020

IT Governance – What is IT Governance? Disponível em <https://www.itgovernance.co.uk/it_governance>. Acesso em: 24 set. 2021

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT – OECD Principles of Corporate Governance. 2004. Disponível em <https://www.oecd.org/corporate/ca/corporategovernanceprinciples/31557724.pdf >. Acesso em: 24 set. 2020

SANTOS, Lilian Regina dos. A governança empresarial e a emergência de um novo modelo de controladoria. 2004. Dissertação (Mestrado em Controladoria e Contabilidade) – Programa de Pós-Graduação em Controladoria e Contabilidade, Departamento de Contabilidade e Atuaria, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. Disponível em <https://docplayer.com.br/82458253-A-governanca-empresarial-e-a-emergencia-de-um-novo-modelo-de-controladoria.html> Acesso em: 24 set. 2021

SHLEIFER, Andrei; VISHNY, Robert W, A Survey of Corporate Governance, The Journal of the American Finance Association , Volume 52, Issue2, p. 737-783, June 1997. Disponível em <https://scholar.harvard.edu/files/shleifer/files/surveycorpgov.pdf > Acesso em: 11 set. 2019.

TEIXEIRA, A. F.; GOMES, R. C. (2019). Governança pública: uma revisão conceitual. Revista Do Serviço Público, 70(4), 519-550. Disponível em <https://doi.org/10.21874/rsp.v70i4.3089> Acesso em 25 set. 2021.

WEILL, Peter; ROSS W. Jeanne. Governança de Tecnologia da Informação. Ed. M.Books do Brasil. São Paulo. 2004.

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Como citar:

NERI, Robson Aurelio. Afinal, o que é Governança Pública? Instituto Pactos de Desenvolvimento Regional Sustentável,  2021. Disponível em: <https://pactos.org.br/artigos/> .